22/08/2016
Por Marco Túlio de Sousa
Doutorando em Comunicação (Unisinos)
|
Professor Dr. Pedro Gilberto Gomes da Unisinos. |
A segunda entrevista do Mídia, Religião e Sociedade é com o pesquisador Dr. Pedro GilbertoGomes, docente do programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pró-reitor Acadêmico na mesma universidade.
Na entrevista concedida a Marco Túlio de Sousa, administrador deste blog, o
professor falou dos conceitos de “igreja eletrônica” e “midiatização” e destacou a importância de
pesquisadores e instituições religiosas compreenderem o que significa hoje
estar na mídia hoje.
Mídia,
Religião e Sociedade (MRS): Em seu livro “Da Igreja Eletrônica à sociedade em midiatização” (GOMES, 2010) o senhor traz o conceito de
“igreja eletrônica” para falar em um primeiro momento dos televangelistas
americanos e depois propõe pensar esta problemática que envolve mídia e religião por meio do conceito de “midiatização”. Para o senhor o conceito de “igreja eletrônica” é produtivo para
pensar apenas aquela dinâmica inicial ou desde sempre ele já mostrou
insuficiente para dar conta deste fenômeno?
Pedro Gilberto Gomes: Veja, nem uma coisa nem outra, no meu entendimento,
se a gente olha o que está na raiz dos televangelistas norte americanos nós
encontramos um histórico que os liga aos revivals que vem desde a época
do faroeste. Basicamente, de tempos em tempos surgia um grande pregador nos EUA
que percorria o país de cidade em cidade, com grandes tendas armadas, para
fazer aquele reavivamento moral. Posteriormente, esse reavivamento veio a
acontecer no radio, com os grandes pregadores, dentre eles o Billy Graham, que
era batista, e o Fulton Sheen, do lado católico. Já os televangelistas, aqueles que eu faço uma resenha
no livro, levam isto para a TV. E aí é que vem o conceito de “igreja
eletrônica”. Eles criam, eles trabalham com uma igreja cuja base é a televisão.
Muitos começam na televisão, depois constroem uma catedral, criam
universidades, hospitais e quando chegam a criar um canal próprio de televisão quebram. Mas eles não são uma igreja no sentido estrito, como nós
conhecemos (com templos e pastores espalhados em vários lugares etc). Muitos
até estavam em uma religião tradicional, batista, metodista, por exemplo,
tinham uma iluminação e começavam a pregar na televisão. Com
o tempo ficavam mais famosos que a própria igreja e se separavam dela, fundando
a sua própria, que era a “igreja eletrônica”. Então, nesse conceito a Universal não pode ser
considerada uma igreja eletrônica. Por quê? Porque
se tu vais de norte a sul do Brasil ou nos países onde ela está, ela tem
templos espalhados. O central dela não é, como para os televangelistas
norteamericanos, a comunidade como igreja eletrônica. Então, esse conceito explica aquele momento e ajuda a
pensar. Quando eu levo para a discussão de ”midiatização” para explicar essa relação mídia e religião é porque eu começo a perceber que nessa realidade
de uma sociedade em midiatização, neste novo ambiente que se estabelece, o modo
de fazer religião muda.
MRS: E quanto ao envolvimento das
instituições religiosas,
especificamente da Igreja Católica, como o
senhor vê essa relação?
Pedro Gilberto Gomes: Bom, antes de
trabalhar nessa questão da
midiatização, eu publiquei um artigo que saiu na revista
Perspectiva Teológica que se chamava “Decifra-me ou te Devoro”, em que falava
da Igreja Católica e que se nós não decifrássemos esse enigma de estar presente nos grandes
meios (que naquele contexto era a televisão) seríamos devorados por eles. O título
foi uma analogia na qual a mídia é o primeiro anel do livro Senhor dos Anéis,
do Tolkien. Se alguém achava que poderia usar o poder do anel para fazer
qualquer coisa era engolfado pelo poder dele, já que ele obedecia ao Sauron. E
se tu vês no final, o anel só foi destruído por um acidente, senão ele não teria
sido destruído. E olha que o Frodo não queria usar o anel. Ele foi lá pra
destruir o anel e mesmo assim o anel o pegou. Quer dizer, a mídia é como esse
primeiro anel de Tolkien porque se eu não a decifro sou destruído por ela.
Tenho que estar na televisão, mas preciso analisar o que significa isso, que
tipo de religião se está criando. Por exemplo, o padre Marcelo estruturou sua vida em torno
da televisão e acho que ele não a decifrou corretamente, tanto que ele foi
engolido por ela. Hoje se olhares a televisão, ele está pouco lá. E muitas vezes quando ele aparece é
para falarem que ele está magro etc. Não é mais aquele padre que está na televisão, celebrando a missa cantando e dançando. Agora existem outros.
MRS: e as demais igrejas? Decifraram esse enigma?
Pedro Gilberto Gomes: Não, ainda
estão engatinhando. O grande problema é que as igrejas se colocam ainda como se
estivessem em uma “sociedade dos meios” (FAUSTO NETO, 2008), achando que os meios
não são outra coisa que canais para passar a sua mensagem. Então eu posso
entrar e, claro, em vez de falar para um grupinho de 12 pessoas, agora, com a
internet, eu falo para milhões de pessoas, eu passo a minha mensagem. Não é
assim, existem normas, existem regras, existem dinâmicas próprias das mídias
que são diferentes das normas da religião e eu tenho que fazer concessões. Por
exemplo, aqui no Rio Grande do Sul os capuchinhos venderam um canal de TV para
Bandeirantes, que por um tempo continuou a transmitir a missa. O encarregado
era o frei Renato Zanola e a primeira coisa que a emissora colocou como condição era que ele usasse o hábito na hora de rezar a missa. Mas eu nunca o vi de hábito. Isso foi
uma foi uma concessão que ele teve de fazer ao espetáculo. Essas coisas é que a
igreja não está se dando conta. Daí a pergunta que eu faço a partir do Hoover:
eu não tenho que perguntar o que a religião faz com os meios, mas que religião
está surgindo deles? A mídia em geral cria novas condições de relacionamento
entre as pessoas. Então nesse sentido, se muda o modo de ser religioso. Por
exemplo, pega o site [da basílica] de Aparecida, o A12. Lá tu podes colocar uma
vela para Nossa Senhora e definir até a duração dela. Existe
a possibilidade de fazer uma visita guiada ao santuário. E nessa visita guiada
tu vês a imagem original de Aparecida com muito mais riqueza, com muito mais
facilidade do que se for lá.
MRS: Este é um ponto interessante porque muitas vezes
se tem essa percepção, inclusive na academia, de que a experiência religiosa nessa ambiência é sempre de baixa qualidade, inferior se compararmos com aquela
vivenciada no templo. Então, parece que a questão não é bem essa...
Pedro Gilberto Gomes: é
qualitativamente diferente, é outra coisa. Eu vou te dar o exemplo de uma tese
defendida no programa [de pós-graduação em Comunicação da Unisinos] sobre missa
televisiva. O Domingos Volney Nandi fez uma pesquisa quantitativa com dados de
quem assistia as missas do padre Marcelo Rossi. Depois fez uma pesquisa
qualitativa, com grupos focais. Nessa fase ele pegou uma missa do padre Marcelo
e nos momentos em que aparecia o povo cantando substituiu pelas imagens da
plateia do Faustão. Ninguém percebeu que não era o mesmo público. Aí ele se perguntou: o que
está havendo? É um novo modo de ser mostrando também que no caso da televisão
existem regras e dos processos televisivos aos quais eu tenho de fazer
concessão. E quando eu faço concessão a essas regras, eu mudo o modo de ser
religioso, eu mudo o modo de ser igreja, eu mudo o modo de ser em sociedade. Em
outro trabalho sobre o site da Canção Nova mesma coisa. Se não se fala
em Nossa Senhora, ninguém diferencia este do site do Edir Macedo. Não há diferença.
MRS: então essa nova ambiência acaba, de algum modo,
aproximando as instituições do ponto de vista de suas performances?
Pedro Gilberto Gomes: Sim. O conteúdo dentro desses meios se torna
secundário, porque o que muda é o modo de relacionar. No site da Canção Nova
tem missa, tem participação, pedido de oração, conselho. No caso do Edir Macedo
não vai ter a missa, mas o culto, tem a pergunta para ele, pedido de oração, as manifestações etc. A questão não é de conteúdo é o modo de ser, como acostumo a assistir a
missa, a fazer a oração diante do site, a conversar via site, a ouvir as
respostas de oração, acender velas em ambiente virtual etc.
MRS: Bom, mesmo com essas semelhanças nós percebemos
que a igreja católica e as igrejas protestantes tradicionais inicialmente
apresentaram mais dificuldades pra poder se inserir e ocupar esses espaços na
mídia. Enquanto isso igrejas evangélicas pentecostais despontaram com produções
em todas as mídias. A que o senhor atribui isso?
Pedro Gilberto Gomes: a grande maioria das igrejas evangélicas
pentecostais já nasceu sob o signo da televisão. Elas apenas entraram na
corrente. E assim como entraram na televisão, também fizeram o mesmo nas redes sociais. A história
dessas igrejas é uma história recente. Portanto, elas não têm nenhuma
preocupação, nenhum compromisso com uma tradição. Não têm o peso da
história. As igrejas históricas, tanto a católica quanto a luterana, ortodoxa,
etc, todas essas igrejas têm uma tradição. Quando o rádio, a televisão e as redes sociais chegaram, elas já tinham uma história. O que
está por trás dessas igrejas ainda é o conteúdo, o importante é o conteúdo. Para
elas os meios de comunicação são instrumentos para que se expanda cada vez mais
a Palavra, porque a palavra é que é importante, o conteúdo da mensagem é que é importante. As
igrejas mais modernas [neopentecostais] já nasceram sob o signo da
transitoriedade, percebendo que o importante é o parecer, o espetáculo. Eu
voltaria a dizer pra ti o seguinte: toda essa situação está lançando para as
igrejas históricas um enigma que deve ser decifrado. Ou elas decifram, ou serão
devoradas. Ok?
Textos citados na entrevista
GOMES, P. G.. Da
Igreja Eletrônica à sociedade em midiatização. São
Paulo: Paulinas, 2010.
NANDI, Domingos Volney. Missa Catódica. O (des)
encontro de suas lógicas no processo de midiatização da ritualidade da
Celebração Eucarística. 2005. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) -
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Sobre o autor
Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1973), especialista em Teologia pela Pontificia Universidad Católica de Santiago, mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1991). Atualmente é professor titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, comunicação cristã, comunicação, cultura e mídia. Membro do Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Sul, membro do Conselho Superior da CIENTEC do Rio Grande do Sul e membro do Conselho Superior do CETA/SENAI e do CNTL/Ceta/Senai. Membro do Conselho Superior da FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio Grande do Sul. Exerce o cargo de Pró-Reitor Acadêmico da Unisinos e é Diretor da Editora da mesma Universidade.
Conheça textos de Pedro Gilberto Gomes já publicados no Mídia, Religião e Sociedade clicando <<<aqui>>>.